sábado, 10 de agosto de 2013

Paternidade



582 Pode a paternidade ser considerada uma missão?
– É, sem dúvida, uma missão, e é ao mesmo tempo um dever muito grande que obriga, mais que o homem pensa, sua responsabilidade diante do futuro. Deus colocou a criança sob a tutela de seus pais para que esses a dirijam no caminho do bem, e facilitou a tarefa, dando à criança um organismo frágil e delicado que a torna acessível a todas as influências.
Mas há os que se ocupam mais em endireitar as árvores de seu pomar e as fazer produzir bons frutos do que endireitar o caráter de seu filho. Se esse fracassa por erro deles, carregarão a pena e os sofrimentos do filho na vida futura, que recairão sobre eles, porque não fizeram o que deles dependia para seu adiantamento no caminho do bem.
583 Se uma criança se torna má, apesar dos cuidados de seus pais, eles são responsáveis?
– Não; porém quanto mais as disposições da criança são más, mais a tarefa é difícil e maior será o mérito se conseguirem desviá-la do caminho do mal.
(Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, 2ª parte, cap. 10)


César Luchini, jovem generoso, mas temperamental, assistia à reunião espírita, junto dos pais, embora contrafeito.
Demétrio, o orientador desencarnado, falava, benevolente, em torno da educação.
- Meus filhos – dizia em determinado tópico do comentário evangélico -, é preciso amparar a criança, armando-lhe o coração com valores morais.
Muita gente acredita que meninos devem andar à solta, como planta de mato agreste. E toca a deixá-los na rua, plenamente à vontade. Entretanto, quando quer couve na horta, dispõe-se a defendê-la e discipliná-la. Ninguém consegue sustentar pequena horta ou jardim sem esforço. Se, no trato da Natureza, a vida pede atenção, como entregar a criança a si mesma? O Espírito comparece no berço com as qualidades felizes ou infelizes que cultivou no passado e, realmente, não prescinde da vigilância e da instrução necessárias para o justo aproveitamento na luta que recomeça. Sabendo, de nossa parte, que a maioria das criaturas torna à reencarnação, em conseqüência dos próprios erros, é imperioso estender braço forte aos pequeninos, a fim de que, desde cedo, se fortaleçam para o combate às tentações que surgirão deles mesmos. As tendências inferiores são raízes muito difíceis de extirpar. E, se relaxamos, voltam a produzir para o mal, em tempo certo, qual acontece com os vegetais venenosos esquecidos na terra.
Demétrio terminou, pelo médium, encarecendo a gravidade do problema e distribuindo renovadoras consolações.
Em casa, Dona Perpétua, a mãezinha de César, desejando fixar os ensinamentos na         memória do filho, comenta, entusiasmada, os merecimentos da alocução.
Enquanto saboreiam o chá, refere-se aos desajustes da infância, como que provocando o moço à conversação.
Após ouvi-la, taciturno, durante muito tempo, César considera:
- Não vejo tanta importância no assunto. Respeito a idéia espírita de amparo à criança, mas acredito que a educação deve ser livre. Contrariar um menino nas inclinações naturais, será torcer-lhe o íntimo. Chego a admitir, que muito quadro triste, na delinqüência de jovens, é simples fruto das estranhas exigências de lares, em que pais ignorantes obrigam filhos a crescer com desilusões e recalques...
- Meu filho – interveio Luchini, pai -, liberdade sem dever é sementeira de injustiça e desordem...
César, contudo, rebatia:
- Estou noivo e, a breve tempo, terei minha própria casa. Se Deus confiar-me algum filho, será livre, crescerá sem qualquer prejuízo ou superstição...
Diante do azedume que lhe transparecia da voz, calaram-se os genitores.
E, de vez em vez, quando o tema vinha à tona desse ou daquele entendimento doméstico, o moço tornava à reação, rebelde e agastadiço.
Decorrido algum tempo, César estava casado, pai de família. Em quatro anos, Cilene, a esposa, culta e caprichosa quanto ele mesmo, enriquecera-lhe o coração com dois filhos.
Luis Paulo e Vera Linda cresciam mimados e sorridentes.
Como se o mundo lhes pertencesse, tinham tudo o que desejavam, ao alcance das mãos.
Destruir brinquedos e utilidades parecia neles vocação das primeiras horas.
Eram em casa diabretes incorrigíveis.
Entretanto, que ninguém ralhasse, mesmo de longe.
Aos próprios avós, Cilene e César não regateavam advertências, nos instantes de crise.
- Mãe – dizia o rapaz, desenvolto -, não interfira. Os meninos são livres. Não quero constrangimento.
 E a nora confirmava:
- César tem razão. Criança contrariada hoje é doente amanhã. Nossos filhos não crescerão mentalmente desfigurados.
A vida avançou como sempre.
Quatro lustros passaram céleres.
César Luchini, feliz nos negócios, crescia economicamente na capital paulista.
Terrenos supervalorizados e algumas aventuras no câmbio consolidaram-lhe a posição.
Era, enfim, proprietário, com um mundo de amigos.
Os princípios espíritas e os pais, agora desencarnados, haviam desaparecido no tempo.
O casal endinheirado tinha a semana cheia.
Clubes, recepções, visitas, jogos...
Materialmente, tudo fácil, como barco em brisa leve, no dia azul.
Contudo, se Vera Linda, não obstante voluntariosa e de trato difícil, perseverava no estudo, preparando o triunfo universitário, Luis Paulo caíra no resvaladouro do vício.
Aos vinte e seis de idade, era um cabide de maus costumes.
Debalde tentavam pais e amigos arrebata-lo às companhias deploráveis e perigosas.
Embrutecera-se na vida noturna, consumindo somas consideráveis, inacessível a qualquer reprimenda.
César e a esposa, a princípio, gritaram, admoestaram, reagiram, mas era tarde... E porque tivessem largo programa de vida social a atender, passaram a ignorar a existência do filho, reduzindo-lhe a mesada, na suposição de, com isso, melhorar-lhe os impulsos.
Enquanto o casal de novos ricos se dava ao luxo das viagens constantes, desfrutando o prazer das grandes corridas no automóvel de luxo e favorecendo esportes diversos, abraçando amigos ou bebericando em praias distantes, mergulhava-se o moço na delinqüência.
Noite agradável de sábado.
O grande jardim, ladeando a casa isolada, recendia perfume raro.
Lá fora, jasmineiros floridos e o vento perpassando pelas folhas das corismeiras.
César e Cilene, bem-postos, despedem-se da filha que se debruça sobre os livros, à espera de exame próximo.
O casal tem encontro marcado.
Devem abraçar amigos recém-chegados de Nova York, residentes num palacete do Jardim América, mas lhe deixam o número do telefone. Que a filha não se preocupe.
Visita de pouco tempo.
Vera Linda está só.
Liga o televisor e reparte a atenção entre os livros e um cardápio de músicas televisionadas.
O relógio silencioso marca as horas. Nove, dez, onze...
Súbito, ouve passos. Alguém chega. Levanta-se, tranqüila, na convicção de que os pais estão de regresso. Contudo, a breve instante, vê um mascarado que lhe aponta um revólver.
- Não grite ou morrerá! – fala, em voz arrastada.
E ordena ríspido:
- Dê-me a chave do cofre. Quero as jóias da casa. Você sabe... Adiante-se, não há tempo a perder...
A moça, lívida, atende ao desconhecido que a impulsiona para o interior, como se conhecesse a intimidade caseira.
Estarrecida, quer pensar, reagir... Mas não pode.Obedece maquinalmente.
Retira a chave de minúsculo vaso, mas o intruso, de arma em riste, resmunga, firme:
- Abra você.
A moça caminha à frente e penetra no aposento dos pais, seguida pelo malfeitor implacável.
Ao abrir o cofre, lembra-se de que o pai conservava sempre um revólver em pequenina gaveta lateral. “Não vacilarei” – refletia consigo mesma. Descerrando a porta de aço, encontra a arma, tateando-a com os dedos finos. E, em movimento brusco, aperta o gatilho de encontro ao desconhecido, fulminando-lhe o coração. O embuçado desfere grito rouco, cambaleia, e cai banhado em sangue. A jovem apavorada corre ao telefone e disca.
No Jardim América, César e Cilene jogam calmamente o pif-paf.
O capitalista ouve, então, a voz da filha:
- Papai, papai, venha depressa! Matei um homem... Um ladrão...
Varado de angústia, o casal toma o carro, em companhia de dois amigos. Um deles é médico. Fará quanto possa para amenizar a tragédia.
Em minutos rápidos, o grupo entra em casa.
Vera Linda soluça.
Descobrindo, no entanto, a face mascarada do corpo imóvel, surge a surpresa. O morto é Luis Paulo.
A moça aproxima-se, agora semilouca, e atira-se nos braços hirtos do irmão cadaverizado.
Os pais choram, mas o médico amigo, mentalmente calejado para a solução dos grandes conflitos da consciência, sugere calmo:
- César, conforme-se. O que está feito, está feito. Estamos à frente de um suicídio.
Chamarei a assistência e assumirei a responsabilidade.
No outro dia, César e Cilene, de óculos escuros, assistem aos funerais do filho como se estivessem num desfile de modas, e, passados dois meses, sozinhos e desolados, acompanham a filha num carro fechado, para trancá-la num manicômio. (Hilário Silva, Almas em desfile p. 82 - 86)


O texto dispensa qualquer comentário...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Uma realeza terrestre


 "Quem melhor do que eu pode compreender a verdade destas palavras de Nosso Senhor: "O meu reino não é deste mundo"? O orgulho me perdeu na Terra. Quem, pois, compreenderia o nenhum valor dos reinos da Terra, se eu o não compreendia? Que trouxe eu comigo da minha realeza terrena? Nada, absolutamente nada. E, como que para tornar mais terrível a lição, ela nem sequer me acompanhou até o túmulo! Rainha entre os homens, como rainha julguei que penetrasse no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez de ser recebida aqui qual soberana, vi acima de mim, mas muito acima, homens que eu julgava insignificantes e aos quais desprezava, por não terem sangue nobre! Oh! como então compreendi a esterilidade das honras e grandezas que com tanta avidez se requestam na Terra!
Para se granjear um lugar neste reino, são necessárias a abnegação, a humildade, a caridade em toda a sua celeste prática, a benevolência para com todos. Não se vos pergunta o que fostes, nem que posição ocupastes, mas que bem fizestes, quantas lágrimas enxugastes.
Oh! Jesus, tu o disseste, teu reino não é deste mundo, porque é preciso sofrer pira chegar ao céu, de onde os degraus de um trono a ninguém aproximam. A ele só conduzem as veredas mais penosas da vida. Procurai-lhe, pois, o caminho, através das urzes e dos espinhos, não por entre as flores.
Correm os homens por alcançar os bens terrestres, como se os houvessem de guardar para sempre. Aqui, porém, todas as ilusões se somem. Cedo se apercebem eles de que apenas apanharam uma sombra e desprezaram os únicos bens reais e duradouros, os únicos que lhes aproveitam na morada celeste, os únicos que lhes podem facultar acesso a esta.
Compadecei-vos dos que não ganharam o reino dos céus; ajudai-os com as vossas preces, porquanto a prece aproxima do Altíssimo o homem; é o traço de união entre o céu e a Terra: não o esqueçais." - Uma Rainha de França. (Havre, 1863.)
(Allan Kardec,O Evangelho segundo o espiritismo,cap II )

Os bens materiais são importantes para a vida no plano terrestre,
 mas tenhamos em conta
de que a vida verdadeira é aquela para a qual passamos após a morte e para a qual
 levamos somente os bens morais adquiridos com o esforço de nos tornarmos melhores.  


sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A VIDA CONTINUA




       " Minha filha,
que a paz do Senhor seja conosco!
Desde o momento em que o anjo da morte me dirigiu seu pensamento, enviando-me a lú­gubre mensagem da “angina-pectoris”, um tur­bilhão indescritível tomou conta do meu Espírito.
A princípio, com as carnes sacudidas pe­los estertores do coração que não mais podia cooperar com a vida física, inenarrável sofri­mento tomou-me todas as fibras, do peito ao cérebro e deste aos pés, fazendo-me enlouque­cer. Atormentada entre as idéias da “morte” apavorante que eu temia e a ansiedade da “vida” que escapava ao peso cruel do sangue que se negava a irrigar artérias, veias e vasos, senti que ia tombar.
Reuni as forças que desapareciam céleres, abandonando-me impiedosamente, tentando resistir à violência da dor que me despedaçava toda, e mais não consegui senão emitir gritos de­sesperados, semilouca. Tinha a impressão de que vi­gorosa mão de ferro me estraçalhava o coração e, a par da agonia que não posso descrever, sentia que a vida fugia rápida, fazendo-me desmaiar, sem que, con­tudo desaparecesse a dor superlativa que durante muito tempo iria conservar-me envolta em angústia sombria e inquietante.
Não poderei dizer o tempo em que demorei des­falecida. Guardo, ainda hoje, a impressão de que, em volta, um torvelinho me arrastava, dando-me a sen­sação de queda, em profundo abismo sem fim.
Subitamente, como se me chocasse de encontro ao solo, despertei agonizante, tateando em trevas aos gritos de lamentável perturbação. O peito conti­nuava a doer desesperadamente como se estivesse estilhaçado por violento projétil que o varasse, rom­pendo carne e ossos e deixando-o a sangrar...
Oh! Jesus, o sofrimento daquela hora!...
O tempo passava sem que eu tivesse notícia, se­não através da agonia que parecia não ter fim.
Como a dor não cessasse, simultaneamente im­pressões diferentes me acudiram ao cérebro turbilho­nado, agigantando meu desespero. Frio glacial apo­derou-se lentamente dos membros inferiores, amea­çando imobilizar-me. Ante essa inesperada sensação, tive a impressão de que pesadelo muito cruel me tor­turava, mas do qual me libertaria em breve. Aquietei-me um pouco, acarinhando a expectativa do agradá­vel despertar... porque tudo aquilo não passaria cer­tamente de um sonho mau.
Além do frio, dores generalizadas paralisaram-me os movimentos, enquanto o enregelamento me tornara­ rígida, O pavor rondava-me, implacável. Sem poder mais raciocinar, sacudida nas ondas crispadas desse mar de desconhecidos sofrimentos, vislum­brei tênue claridade, como se a alva tocasse meus olhos. Tive, então, as primeiras noções do lugar em que me encontrava, permanecendo, entretanto, imóvel.
De início, turvas e embaçadas, as imagens não se tornavam reconhecíveis. Inquieta, percebi-me dei­tada no leito costumeiro, hirta e pálida.
Desejei levantar-me, andar, correr, suplicar auxí­lio; estava paralisada, atada a cadeias poderosas. A língua já não se articulava. O cérebro parecia-me de­vorado por labaredas crepitantes. Os olhos, fechados, negavam-me fitar a luz, embora eu “visses tudo e acompanhasse os movimentos exteriores. Escorria-me o pranto incessante, queimando-me a face, e o pensamento se me afigurava qual incandescida cal­deira, cheia de desesperos a destruir-me.
Não tinha idéia das horas.
Indagava mentalmente, no martírio, o que me acontecera. Onde estava o companheiro de tantos anos? Os irmãos de fé espírita, onde se encontravam eles que me não socorriam? Os cooperadores dedi­cados do nosso programa de assistência social, para onde fugiram? Para onde conduziram as criancinhas a que me acostumara a amar; por que não me fala­vam? E lembrei-me do Mestre bondoso que se fizera a segurança de todos os infelizes.
No tumulto do meu cérebro, a figura incompará­vel de Jesus tomou vulto, amenizando lentamente meus sofrimentos. Embora não cessassem de todo, as dores diminuiram e uma quietação momentânea aplacou-me o incêndio interior.
Respirei algo facilmente.
De longe, pareciam-me chegar aos ouvidos sons e vozes abafados. Embora de olhos fechados, “vi” que algumas pessoas choravam.
Atraída, desejei erguer o corpo; senti-me sair de dentro do casulo carnal, que então pude ver. En­contrava-me deitada, no esquife mortuário, e de pé, ao seu lado, simultaneamente. Apalpei-me apres­sada e senti-me físicamente. Tudo em mim vibrava com a mesma intensidade doutrora, avolumando-se às impressões da carne a agressão da dor.
Procurei alargar os movimentos e percebi que o frio terrível desaparecia, desatando-me do porto da rigidez. Andei um pouco vacilante e, de súbito, na mi­nha mente brilhou inesperada idéia: eu não estaria morta, porventura! — indagava-me. Atirei-me apres­sadamente ao corpo, tentando erguê-lo para fugir a esse pensamento “tenebroso” e libertar-me das afli­ções. Não consegui, entretanto, o meu intento. As lá­grimas voltaram a romper as represas e corriam volu­mosas.
Não, não era possível, afirmava intimamente, ten­tando aquietar-me. Tudo aquilo não passava certa­mente de um sonho fantástico ou de um desdobra­mento mediúnico, no Reino da Morte. Não era crível que eu tivesse morrido. Sentia-me viva, não obstante as dores que me cruciavam. Encontrava-me lúcida, raciocinava, sofria... Não podia estar morta. Quando acordasse, oraria e procuraria apagar das lembran­ças aqueles momentos de pavor.
Estive quase aliviada com esses raciocínios. No entanto, a realidade era outra.
Ao abraçar-me ao corpo, senti-lhe a frieza e ve­rifiquei, apesar de deitar-me sobre ele, que não me conseguia ajustar qual ocorre à mão calçada em luva apropriada. Esforçando-me “vesti-lo” outra vez, verifiquei, atribulada, que minha vontade não mais o acionava.
Compreendi, embora relutante: estava “morta”.
Ao admitir esta idéia, fui acometida de profundo terror. Voltaram-me à mente as explanações do nos­so Diretor Espiritual, ouvidas em nosso Cenáculo de orações. Antes de refazer-me da surpresa, descobri-me profundamente ignorante em Doutrina Espírita, que é abençoado roteiro no país dos “mortos”. Ten­tei recapitular os ensinamentos ouvidos antes; toda­via, o inesperado daquela hora descontrolava-me, prostrando-me abatida, mais uma vez.
O torpor, que, antes me invadira, retornou, dei­xando-me livre somente o pensamento que, agora, percorria célere as sendas das recordações mistura­das às lutas da existência, fazendo-me defrontar o corredor da loucura.
Surpreendi-me novamente fora do corpo, apesar de a ele estar atada por fortes cordões que não im­pediam que me distanciasse. Passei, então, a experi­mentar alívio novo e ouvi, emocionada, o murmúrio de preces intercessórias. Nossas crianças (*) e com­panheiros, em volta do caixão funerário, oravam pela minha alma, que se iniciava na grande viagem. Pro­curei ajoelhar-me acompanhando aquele culto de sau­dade, mas, antes que pudesse coordenar os pensa­mentos, leve sono venceu-me, vagarosamente, as fi­bras cansadas, convidando-me ao repouso.
Perdendo-me em remoinho, eu sentia afrouxarem-se-me os músculos, ao mesmo tempo em que meus pensamentos mergulhavam nas águas escuras do es­quecimento. Embora desejasse acompanhar o desen­rolar dos acontecimentos daquele instante máximo de minha vida, deixei-me arrastar pelo cansaço, ex­perimentando invencível torpor mental, enquanto re­cordava que a vida continua..."


(*) Otília Gonçalves foi diretora da Mansão do Caminho”, em Salvador, Bahia, durante alguns meses. Nota da Editora.(Otília Gonçalves / Divaldo P. Franco, Além da morte,p.09)

A passagem do plano físico para o plano espiritual é um momento cercado de muita angústia e inquietação mesmo para espíritos esclarecidos, 
principalmente quando se dá de forma violenta ou repentina.