Minha
mensagem é destinada aos homens de pouca fé. A eles eu peço uma atenção especial.
Quando
caminhei pelo mundo terreno, desconhecia que a vida se prolongava após a morte
física. Duvidava desta realidade e, por isso, combatia as ideias religiosas com
pertinácia. Os sermões dos padres, pregações evangélicas ou qualquer tipo de
conversação espiritualista eu sempre ignorava com desprezo, ou, quando havia
chance, emitia opinião desfavorável. Eu repudiava todo e qualquer pensamento
que assumisse um cunho religioso.
Era
um ateu convicto e não atinava que minhas concepções, na verdade, eram
preconceitos construídos com base na vaidade pessoal.
Às
portas da morte, busquei um consolo na filosofia materialista que eu
professava, porém este não veio. Na realidade, eu nunca havia pensado no
futuro, pois no futuro que eu acreditava, haveria apenas o vazio. Eu tinha sede
de viver, continuar pensando, manter minha consciência, mas eu não acreditava
na alma imortal. Então, a angústia tornou-se companheira inseparável dos meus
últimos dias. Meus amigos e parentes mais chegados não conseguiram abrandar os
sentimentos deprimentes que se apossavam de mim.
Quando
meus olhos fecharam-se para a vida material, passei a andar às cegas por estranhos
caminhos. Eles não tinham início, meio ou fim definidos. Pareciam formar um labirinto,
que espelhava o que se passava em minha alma. Afinal de contas, não cultivei sentimentos
elevados ou solidários durante a vida física, e os poucos amigos que tinha eram
da mesma estirpe que eu, ou seja, alimentavam ideias semelhantes às minhas.
Não
compreendia a minha situação, já que apenas lembrava-me de que estava desenganado
pelos médicos, prostrado no leito. Por quê caminhava a esmo? O que havia ocorrido?
Haveria perdido a razão? Estaria moribundo em meio a alucinações de morte? Eu não
poderia mesmo entender, pois assumi como verdade incontestável que após a morte
reinaria o nada. Lembrei-me dos remédios ministrados e concluí que eles
deveriam estar causando tanta confusão mental. O câncer corroia-me, mas os
médicos receitavam com frequência no afã de tirarem-me os níqueis. Para eles, a
medicina era apenas um modo de sobreviver. Se era para eu permanecer naquele
estado, que deixassem-me morrer! Infelizes homens de branco sem ética, que
pouco se diferenciavam de banqueiros ávidos por lucro!
E
com este estado de espírito, caminhei por muitos anos por veredas escuras.
Depois soube que foram quase trinta anos. Havia perdido por completo a noção de
tempo. Não poderia imaginar que tinha vagado por quase três décadas. Neste
período, minha sina era ser um andarilho que passava fome e sede, sofrendo
dores constantes, que eram reflexo da doença que destruiu meu corpo. Às vezes
parava por imposição do cansaço e caía num sono perturbador e longo. Em
seguida, levantava para voltar a caminhar sem rumo.
Em
determinado dia, de suma importância para meu espírito, cheguei a um local que tinha
luminosidade própria. Era um ponto de luz que se destacava naquela escuridão.
Finalmente
pude enxergar algo mais definidamente, embora, conforme me aproximasse, a claridade
incomodasse meus olhos. Estaquei somente quando cheguei diante de um grande portão.
Este era ladeado por torres de vigia bastante elevadas. Pude ver guardas por
trás do portão e pedi ajuda. Minha fraca voz parecia não surtir efeito, mas,
após algum tempo, vieram me atender. Recolheram-me para dentro daquele local e
rapidamente tornaram a fechar a entrada. Confuso e cansado, desfaleci.
Pela
primeira vez em muito tempo, tive um longo sono reparador. Durante este descanso,
revi toda a minha vida material. Recordei as oportunidades, decepções, algumas fugazes
alegrias e tudo o mais que serviu para que eu fizesse uma avaliação daquela experiência
terrena. Quando despertei, fui carinhosamente alertado para o fato de que já
não dispunha de corpo carnal. Em princípio fiquei arredio com a notícia, pois
ela era contrária aos conceitos que cultivava desde longa data. Porém, como eu
era um homem de raciocínio lógico e havia notado um encadeamento coerente entre
os fatos que ocorreram, acabei aceitando a nova realidade. Entendi que temos
uma alma imortal e que Deus está acima da vida e da morte. Deus é uma
inteligência superior que age em conformidade com um amor infinito, apesar de nós
seres humanos sermos tão orgulhosos.
Nos
dias que vão, preparo-me para reencarnar, pois esta é uma lei da qual não podemos
fugir, porque através do seu funcionamento nós evoluímos. Ainda faço planos timidamente,
mas uma coisa é certa: tenciono nascer num meio em que me ensinem, desde os primeiros
anos, o ABC do espiritualismo. Assim, espero não mais me enredar nas malhas
frias e duras da incredulidade.
O ateu (Espíritos
diversos, Depoimentos do além, p.
15-16 )
O reconhecimento de que a vida continua,
é um consolo para quem entende que a
vida é uma só,
antes e depois da morte.O que modifica
é que a vestimenta física não levamos.Entretanto
a passagem para a vida espiritual está relacionada aos bens espirituais que conquistamos.