sexta-feira, 31 de agosto de 2012

RENOVAÇÃO


“Suspirava pela nomeação para o cargo público que lhe daria quarenta mil cruzeiros por mês. Conquistara o diploma de bacharel. Numa noite, acalentando o desejo de instituir várias obras de beneficência em favor da Humanidade sofredora, Raimundo Perez orava, extático.
Queria subir. Desvencilhar-se do corpo físico.
Entraria em contacto com a Esfera Superior e formularia a súplica que acalentava no
íntimo.
Aspirava ao título de benemérito no campo da doutrina que professava.
Mas precisava de dinheiro. Muito dinheiro.
Quem sabe? Somente os Espíritos superiores poderiam dissolver as dificuldades que se lhe antepunham ao grande intento, e pensava:
— “Nomeado com os vencimentos de quarenta mil cruzeiros mensais, poderia encontrar o necessário começo... Em seguida, ganharia influência, atrairia poderosos, escalaria a montanha do ouro e granjearia importância política para cumprir a missão...”
Embalado em deliciosas miragens, Perez dormiu e viu-se efetivamente desligado da
máquina corpórea.
Reconheceu-se subindo, subindo... até que se viu em amplo salão, à frente de nobre
instrutor que o recebeu entre bondoso e severo.
A breves momentos inteirou-se de toda a situação.
Alcançara grande instituto do Plano Superior, que supervisionava várias tarefas espíritas na esfera dos homens.
Contudo, não era ali o único visitante.
Em torno, enorme multidão. Muitas vozes, muita gente.
Alguém, mais categorizado que ele mesmo para pedir, ergueu-se diante do benfeitor e, com sublime sinceridade, rogou informes sobre a razão de tantos fracassos entre os companheiros do Espiritismo, na Terra.
Era um missionário da verdadeira fraternidade, buscando piedosamente recursos de
amparo moral para os próprios irmãos na fé.
Ninguém ousou adiantar-se-lhe aos rogos.
A petição era comovente demais para que outros requerimentos lhe tomassem a
dianteira.
Foi então que o generoso mentor tomou a palavra e falou com franqueza:
— “Com base em inúmeros dados estatísticos colhidos junto aos nossos companheiros na Terra,podemos esclarecer que grande número dos profitentes do Espiritismo, na carne, tem fracassado devido às seguintes atitudes:
— Querem dinheiro e dominação...
— Querem autoridade e influência...
— Querem saúde física perfeita...
— Querem a compreensão alheia integral...
— Querem as mais altas concessões da mediunidade, sem esforço para obtê-las...
Tudo isto porque se esquecem de que, na Terra, devemos estar cientes do ensino de
Jesus, que afirmou categórico, quando esteve na carne: — “Meu reino não é deste mundo.”
O benfeitor teceu ainda algumas considerações sobre o tema e, ao acabar de falar,
Raimundo sentiu-se desamparado em si mesmo.
Guardava a sensação de quem via o solo a fugir-lhe dos próprios pés.
E sentindo-se cair... do alto, de muito alto... E acordou.
Identificara-se, mas visceralmente transformado.
Conservava a impressão de prosseguir envergonhado de si mesmo.
Acompanhou a mãezinha ao mercado, ajudando-a, prestativo. Não mais falava na sua
nomeação com o entusiasmo anterior, e a palavra dinheiro passou a ter, para ele, importância bem secundária.
À vista de tudo isto, D. Conceição, a genitora, chamou os dois filhos mais velhos a longa conversação e assentaram juntos que um psiquiatra devia ser consultado.
Anotando a súbita renovação de Raimundo, todos os familiares julgaram que o pobre rapaz ficara perturbado da razão..”.(Hilário Silva / Espírito, Almas em desfile, p. 12 )

Muitas vezes somos alertados da nossa conduta errônea por meio de uma simples conversa, uma fala não intencional, uma mensagem, um sonho...
Importante é saber reconhecer o recado, e mudar enquanto é tempo!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A FAMA DE RICO


“O coronel Manoel Rabelo, influente fazendeiro no Brasil Central, fora acometido de paralisia nas pernas.
Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos. Muito carinho. Assistência contínua.
No decurso da doença veio a conhecer a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes à vida mental.
Pouco a pouco se desprendia da ideia de posse.
Para que morrer com fama de rico?
Queria agora a paz, a bênção da paz.
Viúvo, dono de expressiva fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro filhos adultos e repartiu entre eles os seus bens.
Terras, sítios, casas e animais, avaliados em seis milhões de cruzeiros, foram divididos escrupulosamente.
Com isso, porém, veio a reviravolta.
Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram distantes e indiferentes.
Muito embora as rogativas paternas, as visitas eram raras e as atenções inexistentes.
Rabelo, muito triste e quase completamente abandonado, perguntava a si mesmo se não havia cometido precipitação ou imprudência.
Os filhos não eram espíritas e mostravam irresponsabilidade completa.
Nessa conjuntura, apareceu-lhe antigo e inesperado devedor. O Coronel Antônio Matias, seu amigo da mocidade, veio desobrigar-se de empréstimo vultuoso, que havia tomado sob palavra, e pagou-lhe dois milhões de cruzeiros em cédulas de contado.
Na presença de dois filhos, Rabelo colocou o dinheiro em cofre forte, ao pé da cama.
Sobreveio o imprevisto.
Os quatro filhos voltaram às antigas manifestações de ternura. Revezavam-se junto dele.
Papas de aveia. Caldos de galinha. Frutas e vitaminas.
Mantinham os cobertores quentes e fiscalizavam a passagem do vento pelas janelas.
Raramente Rabelo ficava algumas horas sozinho.
E, assim, viveu ainda dois anos, desencarnando em grande serenidade.
Exposto o cadáver à visitação pública, fecharam-se os filhos no quarto do morto e, abrindo aflitamente o cofre, somente encontraram lá um bilhete escrito e assinado pela vigorosa letra paterna, entre as páginas de surrado exemplar de O Evangelho segundo o Espiritismo.
O papel assim dizia:
‘Meus filhos,
Deus abençoe vocês todos.
O dinheiro que me restava distribuí entre vários amigos para obras espíritas de caridade.
Lego, porém, a vocês, o capítulo décimo quarto de O Evangelho segundo o Espiritismo'.
E os quatro, extremamente desapontados, leram a legenda que se seguia:
Honrai a vosso pai e a vossa mãe. — Piedade filial.”
(Hilário Silva, Almas em desfile, p. 06)

Feliz o rico se despede da vida terrena com desprendimento dos bens materiais.
 A lição é muito proveitosa aos materialistas, a  quem considera a propriedade como único bem a ser cultivado.   

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CRISTA DA INTELIGÊNCIA


“O saber se aninha na cúpula das qualidades enobrecedoras da alma. Ele deixa extravasar a essência da vida, falando mesmo nos seus rudimentos, da existência de Deus.
A inteligência é a faculdade de executar as ordens do raciocínio e, quando iluminada pelo amor, obedece à vigilância do coração. A ciência terrena, há milhares de anos, procura a inteligência nas secreções da matéria. Não encontrando, até hoje, recusa-se a busca-la em outras fontes. A natureza divina reserva para o futuro a revelação oficial, aos homens de saber, de onde vem a inteligência. Nesse momento, as portas se abrirão rumo a outras conquistas, interligadas por afinidades a essa verdade.
O mundo caminha pela força do progresso. A coletividade avança nos mesmos paralelos, não havendo regressão. Somente esperamos o melhor, por ser Deus a suprema majestade da justiça e do amor. Os conhecimentos de um espírito são frutos de longos evos na noite da eternidade. O desabrochar da alma deu-se com a garantia de milênios sem conta, e o alvorecer do dia eterno, que jamais terá sombra, se aproxima, para a felicidade de quem o conquistou, sob a égide de Deus.
Somos herdeiros de tudo e de todo o bem. Dependendo da chancela do tempo e dos intervalos do espaço que nos faz compreender o valor da vida, o porquê dos problemas, da dor e dos sacrifícios. Avancemos, homens e espíritos livres da carne, pertencentes à Terra. Somos os mesmos em faixas diferentes, uns ajudando os outros para que completemos os nossos ideais diante dos nossos compromissos. É falsa a ideia de que, ao desencarnarmos, ingressamos no paraíso, na orquestração dos anjos. Só não é falsa quando a conquistamos pela consciência, na arte prodigiosa da maturidade espiritual. O céu é verdadeiro quando, em primeiro lugar, vigora intimamente, como lei eletrostática que atrai o semelhante por frequências iguais.
A inteligência é um acervo de qualidades inerentes à alma, que já passou por criação. E o homem inteligente não tem tempo a perder com ilusões por demais passageiras. Busca a autoeducação das forças mentais, corrige os impulsos que não favorecem as tendências do Evangelho, e não descansa enquanto a disciplina não fizer parte da família dos valores imortais do coração.
As vezes, parece-nos exagerada a filosofia das mensagens que nos levam à educação. Por ventura não seria melhor, mas bem melhor, mais praticarmos do que falarmos e escrevermos? Certamente que sim. Contudo, a própria natureza nos deixa crer, pela força da lei, que a teoria tem preferência na construção de todo e qualquer empreendimento e, para nós, a maior construção na Terra é a reforma do homem. A teoria é o princípio de toda a criação da inteligência, para depois passarmos por outras vias de consolidação.
Escutando, vendo e lendo é que o raciocínio se aperfeiçoa, selecionando o que deve ou não fazer, o que precisa ou não aceitar. Colidindo com as dificuldades, é que nós nos lembramos das teorias referentes a elas, e armamo-nos de esperanças para vencê-las. Quando somos atacados pela maldade, nos apoiamos naquilo que já ouvimos no trato com o perdão e alegramo-nos com a ideia de esquecermos as faltas. Perseguidos pelo ódio, é que vamos atrás da filosofia do amor, refratada nos sentimentos, pois ela, em si, assegura a felicidade.
Teoria e prática estão alinhavadas, como edifício e base. Uma depende da outra.
A crista da inteligência é o esplendor das virtudes, é a conquista do homem no terreno das emoções, é a luz de Cristo que já expulsou todas as trevas da razão e as sombras da sensibilidade. Vós que estais lendo esta mensagem, esforçai-vos para fazê-lo, como se estivésseis expelindo radiações de otimismo, pelos condutos do verbo. Vós que estais ouvindo, fazei como se respirásseis o ar mais puro do ambiente que vos envolve, alimentando, com expressão de alegria, todo o cosmo orgânico faminto de paz e de luz.
Exercitai e vereis como é bom usar a inteligência aliada à teoria, no enriquecimento da própria vida”.
(João Nunes Maia, Horizontes da mente, p.11-12)

Pensar na possibilidade de aliar
a inteligência, o saber e o poder ao bem...à prática de valores positivos

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

FÁBULA SIMPLES


“Quando o diamante já talhado se abeirou da pedra preciosa saída de cerro áspero, clamou  irritadiço:

_ Que coisa informe! Rugosidades por todos os lados!... Que farei de semelhante aborto da Natureza?
E roçou, com superioridade, sobre a pedra bruta.
A pobrezinha, mal saída do solo em que dormira por milênios, sentindo-se melindrada, tentou reclamar; entretanto, ao observar o clivador  cheio de esperança na utilidade que ela podia oferecer, calou-se.
Findo o dia, o operário recebeu o salário que lhe competia e contemplou-a, tomado de gratidão.
A pedra intimamente compensada esperou.
No dia seguinte, veio o martelo cônico e, desapiedado, riu-se dela, exclamando:

_ Nariz de rochedo, quem teria o mau gosto de aperfeiçoar-te? Porque a infelicidade de entrar em comunhão contigo, seixo maldito?
O cristal sofredor ia revidar, mas vendo que o trabalhador, que mobilizaria a massa contra ele, o mirava com enternecimento, preferiu silenciar, entregando-se paciente à nova operação de lapidagem.
Sabendo, em seguida, que o operário obtinha feliz, substanciosa paga, reconheceu-se igualmente enriquecido.
Mais tarde, apareceu o pó de diamante, que gritou  irônico:

_ Porque a humilhação de trabalhar essa pedra amarelada e baça? Quem teria descoberto esse calhau feio e desvalioso?
A pedra ia responder, protestando; contudo, reparou que o lapidário a fixava com respeito, denotando entender-lhe a nobreza interior, e, em homenagem àquele silencioso admirador de sua beleza, emudeceu e deixou-se torturar.
Quando o lapidador recolheu o pagamento que lhe cabia, deu-se ela por bem remunerada.
Logo após chegou a mó de polir, que falou  mordaz:

_Esta velha cristalização de carbono é indigna de qualquer tratamento... Que poderá resultar dela? Porque perder tempo com este aleijão da mina?
A pedra propunha-se aclarar a situação; contudo, notando a jubilosa expectativa do artífice, que lhe identificara a grandeza, aquietou-se, obediente, e suportou com calma todos os insultos que lhe foram desferidos sobre as faces, até que o próprio polidor a acariciou, venturosamente.

Sem perceber-lhe o valor, o diamante talhado, o martelo, o pó de diamante e a mó viram-na sair, colada ao coração do operário, em triunfo, permanecendo espantados e ignorantes, na sombra da suja caverna de lapidação em que a presença deles tinha razão de ser.

Passados alguns dias, a pedra convertida em soberbo brilhante foi engastada no cetro do governador do seu país natal, passando a viver, querida e abençoada, sob a veneração de todos.
Se te encontras no mundo criaturas que se fizeram diamante descaridoso, martelo impiedoso, pó irônico ou mó sarcástica sobre o r éu coração, suporta-as com paciência, por amor daqueles que caminham contigo, e espera, sem desânimo, porque, um dia, transformada a tua alma em celeste clarão, virás à furna terrestre agradecer-lhes as exigências e os infortúnios com que te alçaram à glória dos cimos”.(Irmão X, Contos desta e doutra vida, p. 06)

O que importa é  a beleza interior!
Ela não salta aos sentidos porque é modesta, é simples, é humilde, todavia tem um valor infinito!

domingo, 12 de agosto de 2012

Dos Espíritos




1. O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.

2. Os Espíritos não são, como frequentemente se imagina, seres     à parte na criação; são as almas daqueles que viveram sobre a Terra ou em outros mundos. As almas ou Espíritos são, pois, uma única e mesma coisa; de onde se segue que quem crê na existência da alma crê, por isso mesmo, na dos Espíritos. Negar os Espíritos seria negar a alma.

3. Geralmente, se faz uma ideia muito falsa do estado dos Espíritos; eles não são, como alguns o crêem, seres vagos e indefinidos, nem chamas como os fogos fátuos, nem fantasmas como nos contos de assombração. São seres semelhantes a nós, tendo um corpo igual ao nosso, mas fluídico e invisível no estado normal.

4. Quando a alma está unida ao corpo, durante a vida, ela tem duplo envoltório: um pesado, grosseiro e destrutível, que é o corpo; outro fluídico, leve e indestrutível, chamado perispírito. O perispírito é o laço que une a alma e o corpo; é por seu intermédio que a alma faz o corpo agir, e percebe as sensações experimentadas pelo corpo. A união da alma, do perispírito e do corpo material constitui o homem; a alma e o perispírito separados do corpo constituem o ser chamado Espírito.

5. A morte é a destruição do envoltório corporal; a alma abandona esse envoltório como troca a roupa usada, ou como a borboleta deixa sua crisálida; mas conserva seu corpo fluídico ou perispírito. A morte do corpo livra o Espírito do envoltório que o prendia à
Terra e o fazia sofrer; uma vez livre desse fardo, não tem senão seu corpo etéreo que lhe permite percorrer o espaço e vencer as distâncias com a rapidez do pensamento.

6. Os Espíritos povoam o espaço; eles constituem o mundo invisível que nos rodeia, no meio do qual vivemos, e com o qual estamos, sem cessar, em contato.

7. Os Espíritos têm todas as percepções que tinham na Terra, mas num mais alto grau, porque suas faculdades não estão mais amortecidas pela matéria; têm sensações que nos são desconhecidas; vêem e ouvem coisas que nossos sentidos limitados não nos permitem nem ver e nem ouvir. Para eles não há obscuridade, salvo para aqueles cuja punição é estar temporariamente nas trevas. Todos os nossos pensamentos repercutem neles, que os lêem como em um livro aberto; de sorte que aquilo que podemos ocultar a alguém vivo, não poderemos mais desde que seja um Espírito.

8. Os Espíritos conservam as afeições sérias que tiveram na Terra; eles se comprazem em voltar para junto daqueles que amaram, sobretudo, quando são atraídos por pensamentos e sentimentos afetuosos que lhes dirigem, ao passo que são indiferentes para com aqueles que
não lhes têm senão a indiferença.

9. Uma ideia quase geral entre as pessoas que não conhecem o Espiritismo é crer que os Espíritos, somente porque estão livres da matéria, tudo devem saber e possuírem a soberana sabedoria. Aí está um erro grave. Os Espíritos, não sendo senão as almas dos homens, não adquirem a perfeição deixando seu envoltório terrestre. O progresso do Espírito não se realiza senão com o tempo, e não é senão sucessivamente que ele se despoja de suas imperfeições, que adquire os conhecimentos que lhe faltam. Seria tão ilógico admitir que o Espírito de um selvagem ou de um criminoso se torne, de repente, sábio e virtuoso, quanto seria contrário à justiça de Deus pensar que ele permanecesse perpetuamente na inferioridade.
Como há homens de todos os graus de saber e de ignorância, de bondade e de maldade, ocorre o mesmo com os Espíritos. Há os que são apenas levianos e traquinas, outros são mentirosos, trapaceiros, hipócritas, maus, vingativos; outros, ao contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber num grau desconhecido na Terra. Essa diversidade na qualidade dos Espíritos é um dos pontos mais importantes a se considerar, porque explica a natureza boa ou má das comunicações que se recebem; é em distingui-las que é preciso, sobretudo, se aplicar.
(Allan Kardec,O Livros dos Espíritos, nº 100, Escala Espírita. - O Livro dos Médiuns, cap. XXIV.)

Este é apenas um resumo das leis dos fenômenos espíritas. Em O livro dos Espíritos, de Allan Kardec poderemos encontrar essas leis na íntegra.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O programa do Senhor


"A frente da turba faminta, Jesus multiplicou os pães e os peixes, atendendo à necessidade
dos circunstantes.
O fenômeno maravilhara.
O povo jazia entre o êxtase e o júbilo intraduzíveis.
Fora quinhoado por um sinal do Céu, maior que os de Moisés e Josué.
Frêmito de admiração e assombro dominava a massa compacta.
Relacionavam-se, ali, pessoas procedentes das regiões mais diversas.
Além dos peregrinos, em grande número, que se adensavam habitualmente em torno do
Senhor, buscando consolação e cura, mercadores da Iduméia, negociantes da Síria,
soldados romanos e cameleiros do deserto ali se congregavam em multidão, na qual se
destacavam as exclamações das mulheres e o choro das criancinhas.
O povo, convenientemente sentado na relva, recebia, com interjeições gratulatórias, o
saboroso pão que resultara do milagre sublime.
Água pura em grandes bilhas era servida, após o substancioso repasto, pelas mãos robustas
e felizes dos apóstolos.
E Jesus, após renovar as promessas do Reino de Deus, de semblante melancólico e sereno
contemplava os seguidores, da eminência do monte.
Semelhava-se, realmente, a um príncipe, materializado, de súbito, na Terra, pela suavidade
que lhe transparecia da fronte excelsa, tocada pelo vento que soprava, de leve...
Expressões de júbilo eram ouvidas, aqui e ali.
Não fornecera Ele provas de inexcedível poder? não era o maior de todos os profetas? não
seria o libertador da raça escolhida?
Recolhiam os discípulos a sobra abundante do inesperado banquete, quando Malebel,
espadaúdo assessor da Justiça em Jerusalém, acercou-se do Mestre e clamou para a
multidão haver encontrado o restaurador de Israel. Esclareceu que conviria receber-lhe as
determinações, desde aquela hora inesquecível, e os ouvintes reergueram-se, à pressa,
engrossando fileiras, ao redor do Messias Nazareno.
Jesus, em silêncio, esperou que alguém lhe endereçasse a palavra e, efetivamente, Malebel
não se fez rogado.
– Senhor – indagou, exultante –, és, em verdade, o arauto do novo Reino?
– Sim – respondeu o Cristo, sem, titubear.
– Em que alicerces será estabelecida a nova ordem? – prosseguiu o oficial do Sinédrio,
dilatando o diálogo.
– Em obrigações de trabalho para todos.
O interlocutor esfregou o sobrecenho com a mão direita, evidentemente inquieto, e
continuou:
– Instituir-se-á, porém, uma organização hierárquica?
– Como não? – acentuou o Mestre, sorrindo.
– Qual a função dos melhores?
– Melhorar os piores.
– E a ocupação dos mais inteligentes?
– Instruir os ignorantes.
– Senhor, e os bons? Que farão os homens bons, dentro do novo sistema?
Ajudarão aos maus, á fim de que estes se façam igualmente bons.
– E o encargo dos ricos?
– Amparar os mais pobres para que também se enriqueçam de recursos e conhecimentos.
– Mestre – tornou Malebel, desapontado –, quem ditará semelhantes normas?
– O amor pelo sacrifício, que florescerá em obras de paz no caminho de todos.
– E quem fiscalizará o funcionamento do novo regime?
– A compreensão da responsabilidade em cada um de nós.
– Senhor, como tudo isto é estranho! – considerou o noviço, alarmado – desejarás dizer que
o Reino diferente prescindirá de palácios, exércitos, prisões, impostos e castigos?
– Sim – aclarou Jesus, abertamente –, dispensará tudo isso e reclamará o espírito de
renúncia, de serviço, de humildade, de paciência, de fraternidade, de sinceridade e,
sobretudo, do amor de que somos credores, uns para com os outros, e a nossa vitória
permanecerá muito mais na ação incessante do bem com o desprendimento da posse, na
esfera de cada um, que nos próprios fundamentos da Justiça, até agora conhecidos no
mundo.
Nesse instante, justamente quando os doentes e os aleijados, os pobres e os aflitos desciam
da colina tomados de intenso júbilo, Malebel, o destacado funcionário de Jerusalém, exibindo
terrível máscara de sarcasmo na fisionomia dantes respeitosa, voltou as costas ao Senhor, e,
acompanhado por algumas centenas de pessoas bem situadas na vida, deu-se pressa em
retirar-se, proferindo frases de insulto e zombaria...
O milagre dos pães fora rapidamente esquecido, dando a entender que a memória funciona
dificilmente nos estômagos cheios, e, se Jesus não quis perder o contacto com a multidão,
naquela hora célebre, foi obrigado a descer também." (Irmão X, Pontos e contos, p. 15)

Quantas vezes agimos como Malebel. 
 Conhecemos  os ensinamentos  de Jesus e nos comportamos como ignorantes.
 Todavia, na hora da dor lembramo-nos  de pedir-lhe que nos auxilie.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A ESCRAVA DO SENHOR


“Quando João, o discípulo amado, veio Ter com Maria, anunciando-lhe a detenção do Mestre,  o coração materno, consternado, recolheu-se ao santuário da prece e rogou ao Senhor  Supremo poupasse o filho querido. Não era Jesus o Embaixador Divino? Não recebera a  notificação dos anjos, quanto à sua condição celeste? Seu filho amado nascera para a  salvação dos oprimidos... Ilustraria o nome de Israel, seria o rei diferente, cheio de amoroso  poder. Curava leprosos, levantava paralíticos sem esperança. A ressurreição de Lázaro, já  sepultado, não bastaria para elevá-lo ao cume da glorificação?
E Maria confiou ao Deus de Misericórdia suas preocupações e súplicas, esperando-lhe a  providência; entretanto, João voltou em horas breves, para dizer-lhe que o Messias fora  encarcerado.
A Mãe Santíssima regressou à oração em silêncio. Em pranto, implorou o favor do Pai  Celestial. Confiaria n’Ele.  Desejava enfrentar a situação, desassombradamente, procurando as autoridades de  Jerusalém. Mas, humilde e pobre, que conseguiria dos poderosos da Terra? E, acaso, não contava com a proteção do Céu? Certamente, o Deus de Bondade Infinita, que seu filho  revelara ao mundo, salvá-lo-ia da prisão, restituí-lo-ia à liberdade.
Maria manteve-se vigilante. Afastando-se da casa modesta a que se recolhera, ganhou a rua  e intentou penetrar o cárcere; todavia, não conseguiu comover o coração dos guardas.
Noite alta, velava, súplice, entre a angústia e a confiança.
Mais tarde, João voltou, comunicando-lhe as novas dificuldades surgidas. O Mestre fora  acusado pelos sacerdotes. Estava sozinho. E Pilatos, o administrador romano, hesitando  entre os dispositivos da lei e as exigências do povo, enviara o Mestre à consideração de  Herodes.
Maria não pôde conter-se. Segui-lo-ia de perto.   Resoluta, abrigou-se num manto discreto e tornou à via Pública, multiplicando as rogativas  ao Céu, em sua maternal aflição. Naturalmente, Deus modificaria os acontecimentos,  tocando a alma de Antipas. Não duvidaria um instante. Que fizera seu filho para receber  afrontas? Não reverenciava a lei? Não espalhava sublimes consolações? Amparada pela  convertida de Magdala, alcançou as vizinhanças do palácio do tretarca. Oh! Infinita  amargura! Jesus fora vestido com uma túnica de ironia e ostentava, nas mãos, uma cana  suja à maneira de cetro e, como se isso não bastasse, fora também coroado de libertar-lhe a  fronte sangrenta e arrebatá-lo da situação dolorosa, mas o filho, sereno e resignado, endereçou-lhe o olhar mais significativo de toda a existência. Compreendeu que ele a induzia  à oração e, em silêncio, lhe pedia confiança no Pai. Conteve-se, mas o seguiu em pranto,  rogando a intervenção divina. Impossível que o Pai não se manifestasse. Não era seu filho o  escolhido para a salvação? Lembrou-lhe a infância, amparada pelos anjos... Guardava a  impressão de que a Estrela Brilhante, que lhe anunciara o nascimento, ainda resplandecia no alto!...
A multidão estacou, de súbito. Interrompera-se a marcha para que o governador romano se  pronunciasse em definitivo.
Maria confiava. Quem sabe chegara o instante da ordem de Deus? O Supremo Senhor  poderia inspirar diretamente o juiz da causa.
Após ansiedades longas, Pôncio Pilatos, num esforço extremo para salvar o acusado,  convidou a turba farisaica a escolher este Jesus, o Divino Benfeitor, e Barrabás, o bandido. O  povo ia falar e o povo devia muitas benções ao seu filho querido. Como equiparar o  Mensageiro do Pai ao malfeitor cruel que todos conheciam? A multidão, porém, manifestou-se, pedindo a liberdade para Barrabás e a crucificação para Jesus. Oh! - pensou a mãe  atormentada - onde está o Eterno que não me ouve as orações? Onde permanecem os anjos  que me falavam em luminosas promessas?
Em copioso pranto, viu seu filho vergado ao peso da cruz. Ele caminhava com dificuldade,  corpo trêmulo pelas vergastadas recebidas e, obedecendo ao instinto natural, Maria avançou  para oferecer-lhe auxílio. Contiveram-na, todavia, os soldados que rodeavam o Condenado  Divino.
Angustiada, recordou-se repentinamente de Abraão. O generoso patriarca, noutro tempo,  movido pela voz de Deus, conduzira o filho amado ao sacrifício. Seguira Isaac inocente,  dilacerado de dor atendendo a recomendação de Jeová, mas, eis que no instante derradeiro,  o Senhor determinou o contrário, e o pai de Israel regressara ao santuário doméstico em  soberano triunfo. Certamente, o Deus Compassivo escutava-lhe as súplicas e reservava-lhe  júbilo igual. Jesus desceria do Calvário, vitorioso, para o seu amor, continuando no  apostolado da redenção; no entanto, dolorosamente surpreendida, viu-o içado no madeiro,  entre ladrões.
Oh! A terrível angústia daquela hora!! ... Por que não a ouvira o Poderoso Pai?? Que fizera  para não lhe merecer a benção?
Desalentada, ferida, ouvia a voz do filho, recomendando-a aos cuidados de João, o  companheiro fiel. Registrou-lhe, humilhada, as palavras derradeiras. Mas, quando a sublime  cabeça pendeu inerte, Maria recordou a visita do anjo, antes do Natal Divino. Em retrospecto  maravilhoso, escutou-lhe a saudação celestial. Misteriosa força assenhoreava-se-lhe do espírito.
Sim... Jesus era seu filho, todavia, antes de tudo, era o Mensageiro de Deus. Ela possuía  desejos humanos, mas o Supremo Senhor guardava eternos e insondáveis desígnios. O  carinho materno poderia sofrer, contudo, a Vontade Celeste regozijava-se. Poderia haver lágrimas em seus olhos, mas brilhariam festas de vitória no Reino de Deus. Suplicara aparentemente em vão, porquanto, certo, o Todo-Poderoso atendera-lhe os rogos, não  segundo os seus anseios de mãe e sim de acordo com seu planos divinos.
Foi então que, Maria, compreendendo a perfeição, a misericórdia e justiça da Vontade do  Pai, ajoelhou-se aos pés da cruz e, contemplando o filho morto, repetiu as inesquecíveis  afirmações: - ‘Senhor, eis aqui a tua serva! Cumpra-se em mim, segundo a tua palavra!’”.
(Irmão X, Lazaro redivivo, p.7-9)
O amor, a fé e a esperança incomparáveis de Maria, que espera até o último instante para compreender os desígnios de Deus.
Teríamos nós coragem de vivermos as angústias dessa Mãe e ainda nos conformarmos com a vontade de Deus?