“Gostaria
de deixar uma mensagem aos homens do mundo, onde vivi, outrora, sob difíceis
condições. Carreguei um pesado fardo, o qual hoje bendigo, que limitou a minha
ânsia de poder e de prazeres fugazes.
Fui
escravo nos trópicos, mais precisamente em terras brasileiras. Sob a veste
física negra, segui vivo por longos 70 anos, quando, chegar até esta idade, era
algo raro.
Trabalhei
em canaviais, cujas moendas eram movidas pela força do gado. O caldo da cana
era transformado no açúcar, que era o ouro da então província portuguesa.
Permaneci por longo tempo lavrando a terra fértil, a regá-la com o meu suor.
Dura
disciplina marcou a minha vida, que resumia-se a despertar do sono para trabalhar,
alimentar-me mal e dormir poucas horas, para, em seguida, tornar ao trabalho. A
senzala apresentava péssimas condições de higiene e suas acomodações para o
repouso eram desprezíveis. Por tudo isso, o ódio era sentimento comum, que
mantinha-se contido pelas próprias limitações a que estávamos submetidos.
Qualquer palavra ou movimento que denunciasse a insatisfação que ia no nosso
íntimo, resultava em castigo imediato, quase sempre através da chibata e do
pelourinho.
Desta
forma, minha mocidade se esvaiu e, junto com ela, as boas lembranças da terra natal,
na mãe África, donde fui levado quando criança ainda. Parentes meus, como pai e
mãe, há muito perdera, pois a expectativa de vida naquela época era de 30 a 40
anos no máximo, normalmente. Eu, já estando nesta faixa etária, não esperava
mais nada da vida. Acolhia a ideia da morte com certa alegria, porque,
intuitivamente, percebia que ela consistia numa espécie de libertação. Além
disso, o meu povo de origem acreditava que os espíritos dos ancestrais
falecidos, ainda vivessem numa outra forma, a espreitar seus descendentes sobre
a terra. Portanto, eu concluía que estava prestes a me juntar à legião de
espíritos que me antecederam na morte física.
Contudo,
a minha vida material prolongou-se além do esperado. Até mesmo o senhor do
engenho que me viu chegar àquelas plagas, já havia deixado o mundo. Assim, não
fui mais aproveitado nos trabalhos sob o sol, permanecendo na senzala,
prestando serviços menores aos escravos mais jovens, ou, ainda, realizando
pequenas benfeitorias na casa-grande.
Eu
era tido como um negro bondoso, mas, na verdade, era apenas um ser resignado.
Fazia
as coisas com serenidade porque tinha a esperança de ser feliz no mundo dos
espíritos, o que era corroborado por uma sensibilidade especial que
desenvolvera na maturidade. Esta sensibilidade me permitia vislumbrar o outro
lado da vida, enxergando antigos companheiros de lida, já falecidos, a
sorrir-me ou simplesmente a fitar-me.
Quando
a morte veio recolher-me ao seu regaço, fui em paz, mas surpreendi-me com tanta
festa que fizeram a minha humilde pessoa, no plano espiritual. Fiquei sabendo
que em outra época eu havia sido escravagista, quando apresentava-me num corpo
de pele branca e traços faciais aquilinos. Pude rememorar que havia sido frio
como um abutre e esperto como uma serpente. Barganhava seres humanos como se
fossem simples peças de comércio. Nada
valiam
além do que algumas moedas de cobre, prata ou ouro. Separei famílias e destruí
vidas para usufruir de um bem estar que foi passageiro e ilusório, pois minha
vida acabou sendo ceifada por um infeliz escravo, que tentava fugir de minha
propriedade.
Naquela
oportunidade, revoltei-me pelo desencarne, para mim prematuro. Por isso, não
absorvi praticamente nada da lição que me era dada pelas forças superiores.
Assim, necessitei voltar como escravo, sob
condições muito difíceis, para compreender o que é ter a sua vida dirigida por
vontade alheia. Sofri, mas agora estava recebendo a dor de forma diferente. A
revolta perdeu a força em meu coração e a longa estadia na Terra permitiu-me refletir
e solidarizar-me com meus irmãos de jornada e de infortúnio.
Por
isso, hoje, agradeço ao Pai a grande oportunidade que tive de evoluir espiritualmente,
ao ter minha liberdade tolhida. Ainda envergo no espaço astral a roupagem negra,
que muito respeito e estimo como símbolo da minha libertação espiritual.
Espero, em Cristo, que meu relato seja útil aos irmãos do plano físico e
despeço-me deixando os melhores votos de boa sorte”. Rubem
03/05/1995
(Espíritos diversos, Depoimentos do além, p. 42-43)
A
força da ação e reação leva a reencarnações expiatórias quando o espírito
permanece endurecido, recalcitrante.
Viveremos a próxima encarnação conforme
tivermos vivido a anterior.
Semear é facultativo, mas a
colheita será obrigatória
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